terça-feira, 11 de março de 2014

CIDADES

                     

                            diamantina


cascalho macio e calmo de areias brancas
me enrodilho em tuas pernas antigas
mesmo que tu gemas e me atinjas com teus cristais
me cubro de um sono bom
e brilho
                                     

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                     falo


essa guanabara se abre toda
quem a chupa é um antigo amigo
vizinho embasbacado
que não sabe como dizer
que não a ama  nunca a amou

enquanto ela crava suas unhas surdas nas costas
e sobe
agarrada à camisa rasgada  a esse pau que já quebrou
grita que não é lixo
e que já teve o seu tempo

mesmo sabendo
que nunca gozou


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                                 janeiro


que tão mulheres somos nós duas
que dormimos na mesma cama e sob a mesma descoberta
e não nos tocamos

ao invés de sussurros
carros gritando buzinas
esta colcha de pele retalhada
pelos e teu pescoço
vãos
por onde me meteria se
ao invés de cimento fosse de artéria
esta parede que nos contorna
e a minha mão espalmada coubesse no teu tecido

que tanto somos e nos ignoramos
nesta solidão que busca
sentidos

que a língua brota da garganta seca
e não te toca porque estás nua
e por que me dói te descobrir a pele
se é noite
e nos despimos juntas de todos os atos
para dormir

que tão mulheres somos de veias desertas
que respiramos juntas e não nos consentimos
que na mesma cama em que dormimos duas
tu passas como caudaloso rio
todo janeiro
de ausências


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                             minas


tuas mãos se exaurem
no meu corpo
gotículas de suor e montes
que surgiram não sei de onde
carne e lençóis
e falas falo  respiras na minha boca
o outro que queres alcançar
do outro lado
esta cidade morre

a noite cola-se ao tempo
e queremos o silêncio  que não acabe
este estertor  este sal de salivas
que nos cobre
e eu imagino minas bocejando
e abrindo janelas

aqui os cachorros latem
em ruas que quase nunca estão desertas


enquanto te afogas nesse mar de pedras
e lavras
teus futuros edifícios  em mim
os cascalhos da solidão consomem
as construções  os fantasmas
adormecidos sob as cobertas


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                         ouro preto


saudade e bruma
de ouro
úmida sob as coxas,  a mina pequena
em retalhos
quente  colorida e acesa
de um olhar louro

a terra cheira nos dias
e eu nunca cometerei outras cidades como esta
trepada nos verdes  sem ideais e alheia
apertada nos espartilhos das montanhas
burramente donzela
                                                             

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                               quintais

                                     pra Adélia Prado 

   entre nós
           poços
   bandeiras de novas-velhas
   tri(ângulos) ultrapassados
   minas a descoberto

   agachadas políticas  dores de terra  parto de bombas
   parto
   com patas de galochas
   ferraduras de pelos
   bicho colonial civilizado
   desdobrando-se

   as pedras seculares  os cemitérios a cal
   qualquer caminho percorrido
   dentro do século ou esquecido do tempo
   será intervalo

 o branco do ventre pendido
 inútil entre as paredes
 dos dedos
 descolados da casa
 a palha sem mitos
 dos pelos
o peito do púbis
negro ou dourado
vazio

 os cacos de um desenho no chão
     minas
irrefletida trilha
de cios
arremessada para o atrás
forçada pelas esteiras
do perdido ouro

pisadas cuidadosas na pele
bêbadas de leite
mancas de queijo
mamar até o assassinato

depois:
procurando Outra
saída dúctil
de si para o espelho
improvisar quintais
(hábitos quinhentistas)
e lançar pelas janelas
minas aos caroços
no Rio





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