Mais vale um toma do que dois te darei.
Sancho Pança
pro Uly
alvíssaras
antes tudo era perfeito
eras um deus irremovível
quase monumento quase labirinto
intacto em músculos certos
plantado no jardim do
inquestionável
eras silêncio
dentro de meu pátio interno
mas deuses também se
esgarçam
corroídos pelo tempo
e são castigados por suas
ações
ou pela falta delas
e porque deuses são nascidos
de coxas
cuspidos flechados
abandonados violentados
e não passam de Ideias
tão substituíveis por seu
iguais
te envio por Mercúrio os
bons augúrios
que tive
de que destituído não serás
mais deus
por aqui
durante eras
----------xx---------
capetalismo
termo do poeta Gentileza
milagres são para deuses e
santos
para os que detêm o poder para os que olham por cima
numa reta fria abstrata
traçada desde o berço sobrevoada de helicóptero ou asas
até a áfrica até o oriente
até o indecente
do abandono
aos humanos resta a porta dos
fundos
os planos sem saúde a coceira os crediários a alergia
os bons ventos os maus momentos
o parcelamento
da fé do afeto da alma
eu sou uma das inadimplentes
devendo uma grande dorzinha
uma entranhada fome inapetente
uma estranha frigidez
insaciável de bens
uma sede de maravilhas
quando aperto a mão de um deus
ou quando um santo me pede um
boquete
em troca de uma vaga no mundo
um inamerceável afago um parco salário
sonho com um exorcista
que me salve de algum milagre
----------xx---------
cenário
todo
vísceras todo carne
um
deus passeia sobre os arames
toca
cordas densas toca o duro ferro dos
altares
e
dança leve mastigando
sua
desamparada condição de deus
um
ator moreno entre o através
da
fechadura
onde
um olho esticado se ajoelha
e
se apieda
enquanto
cola cacos e vive
de
falsos mosaicos
e
estende o chapéu e trama
entreaberta entre atos
se
despir
para
o deus
----------xx---------
concepção
hoje os monstros acordaram assanhados
o Hades está em festa
e as Erínias estão gritando vem vem vem
Não vou.
estou cheia destas bestas enlameadas que se arrastam
com farrapos
elas que vão ser trágicas na puta que pariu
tenho em mim encravada uma grande pedra azul
meu ventre está sólido e iluminado
e conduzo o tempo nas mãos porque assim me foi dado
me banho para os deuses
para ser mais precisa
me purifico com artemísia e bálsamos
e tenho a pele lisa e amaciada
para ir ter apenas com um deus
que foi prenunciado pelos oráculos
conceberemos um Rio em poucas horas
de entre as suas coxas saltarão as águas
que eu chamarei (em êxtase) Janeiro
----------xx---------
desejos
deuses pediram olimpos
céus com zeus colchões macios
pastilhas para a garganta filhas no cio
ninguém contou a eles
que deuses não moram mais
porque estão inadimplentes
devem aqui na terra
pilhas de adorações
que receberam adiantado
e não saldaram
os choros humanos
os joelhos esfacelados
um Rio depauperado
seus círios
a queima de dias áridos
os tiros
mas nem assim se coçaram
a cidade está doente
míope degradada
por contar com deuses dormentes
deuses não moram mais
deixaram seus leitos imortais
seus incestos
cartéis pedofilias serpentes
intrigas de última hora
para viver entre as gentes
deuses não moram mais
e tropeça-se agora neles
amontoado de animais
sem políticas oficiais
um problema social a mais
a ser resolvido por nós
----------xx---------
destinação
nesse dia bruto empalhado
desejo é tudo o que não pode
ser
deve haver leite nas pedras
deve ter um jeito de espremer
essa tarde até que ela confesse
algum brilho escondido
o melhor é enfiar as pernas ao
comprido
suplicar aos deuses chamando-os à razão
beijando seus auspícios
chupá-los do falo até que se
ergam
e nos destinem
o mundo
----------xx---------
deuses
deuses têm peles desbotadas
e sobem degrau por degrau
por nossas costas
conspiram segredinhos afiam as unhas
e cravam em nós
seus gostos pelo lixo
um cargo uma mordida
uma mortalha
deuses são tão críticos
saracoteiam suas falas
e tramam publicações
deuses nos sabem mais
por isso
saudemos os deuses
pois sem eles
o que seria de nós
sem títulos diluídos
esparsos por linhas e folhas
novos velhos escritores
ignorados ocupando
os rascunhos dos nossos postos
adendo: mas por que temer os deuses
se eles sempre existiram?
----------xx---------
nosso olimpo
deuses legam
deixam isto deixam aquilo
tudo o que fazem
são grandes feitos
de um barro escolhido a dedo
por isso protegem
com suas mãos em concha
seus preciosos herdados metais
já as deusas
têm mania de roupas suadas
e passam longas os dias
e ajoelham por nada
e por serem de costelas
pensam sempre na segunda:
tecer semanas de cabo a rabo
para que propiciem falos
aos deuses
uma boa vigília seus legados
e bom trabalho
----------xx---------
o bêbado e seu companheiro
você que se faça de rogado
que eu hoje não posso
comigo e com meu fígado
estou duro como um rochedo
bebi ontem meu passado inteiro
de um só trago
promete, Prometeu
parar de roubar
e ficar por aí dando à toa
o que não é pro nosso bico
olha essa gente lá embaixo
distribuindo santinhos
querendo ocupar seu posto
olha no que dá ser deus
e ficar desempregado
cuidado com esses abutres
e com esses deuses inteiros
que caminham bem-vestidos
evita esses lugares lúgubres
do tipo chamado Planalto
e não negocie com estranhos
mercadorias de origem duvidosa
como tochas
cargos armas máquinas de bingo
ou outros artifícios
volta pra casa cedo
e observa os abismos
----------xx---------
origem
pros
Bush(s)
antes Deus se masturbava entre as pedras
com desejos áridos desertos distantes
que não sabia explicar
e batia com as pontas dos dedos
com violência
e batia
toda sua Imensidão Sozinha
até que se olhou no mundo
e mergulhou
para dar nome aos bois
e tencionou
fazer alguma coisa que fosse a sua cara
metade ego metade
horror
daí aquela unha encravada
as espinhas a
cegueira os EUA
a fome os
políticos as guerras
as transnacionais
o agronegócio
os países centrais periféricos
a Bomba de Hiroshima
e Deus gozou
cobrindo de verde a terra
(quando nasceu o primeiro mar)
com o que sobrou
fez amores inacabados doídos
e bombinhas marrons
para jogar no Islã
----------xx---------
perda
pro Flavinho
me perdi como se perdem os deuses
com suas fúrias loucas seus mares em tempestade
quando perdem a mão e invejam
a calma cotidiana encarneirada dos mortais
que querem sempre os mesmos pastos
os mesmos bois sacrificados
para que sejam deixados em paz
melhor transbordar desmesurada
arriscar com a hybris com a cegueira
do que rodar como um carneiro
em torno de mim mesma
num altar ridículo
dando-me aos outros para sacrifício
fodam-se os mortais e seus vícios
e esses deuses acotovelados em suas mesquinharias
quero uma perda sem medidas
sem o estúpido espelho de baixo
uma perda entre iguais
sem altares mapas locais
enorme oceânica catatônica
com plenitude de perda
----------xx---------
troia
se te digo que o caminho é outro
me apontas belo deus o percurso
e o trançado dos sentidos se ergarçam
entre meus dedos
esqueceste que eu também tenho poderes
e que ainda existes porque te incenso
no meu templo de dentro
se me ocupo de ti e permito
a tua grande invasão
e se nas entranhas da guerra
me entrego
te sagro com minha carne e altar
é porque assim o decido
sem espada, qual seria o teu discurso
serias pária fora de teus muros
e de que adiantariam suas estratégias
se não soubesses manejá-la
não forjaste nada fora da espada
embora tenhas um mundo nos teus ptolomáicos mapas
internos
belo deus equivocado
vivente num cavalo oco
atávico
queres minha beleza e véus na tua guerra
para dar sentido
às tuas dívidas com teu pai ególatra
em honra ao teu grande Nada perdido
----------xx---------
faxina
cortei os fios as
chamas os pavios
joguei fora os deuses
varri a casa
modelei umbigos
uns púbis uns Rios
com um barro oco ordinário quebradiço
fiz janelas e peles
poros e asas
engrandeci os mitos para parti-los
espatifá-los no espelho cara a cara
arranquei uns pulsos da navalha
espremi uns cravos
alisei uns livros
e o distante humano que me faltava
depois de tudo feito fugi pelos fundos
quero ficar sozinha
detestaria ter criado um mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário